Koans e Contos Zen Buddhistas: 8

Introdução

Koans são frases enigmáticas de difícil compreensão que são dadas aos discípulos, aos aspirantes. São muito utilizados no Zen, principalmente na escola Rinzai. Eles visam romper com os padrões de pensamento, com a dualidade de conceitos, com condicionamentos mentais.

Os koans sempre possuem respostas, ainda que estas respostas não sejam lógicas ou intelectuais.

As respostas dos koans são espontâneas, intuitivas e muitas vezes parecem tão absurdas quanto o próprio koan. Mas, em realidade, são cheias de profundo significado, tanto quanto o koan, ou até mais.

Muitos koans estão intrinsecamente relacionados com a Doutrina Budista ou com a história de uma tradição específica. Para quem não possui estes conhecimentos estes koans perdem muito de seus significados.

Um koan muito utilizado e que parece até ser apenas uma simples pergunta é “o que falta?”.

Os koans nos colocam num beco sem saída. Ficamos pressionados por dúvidas, conflitos dualistas, certo e errado, bem e mal. Nossas mentes logo começam a tecer considerações sobre as histórias dos koans. Pensamos: “como pode ser um Mestre?”, “como um Mestre comporta-se desta forma?”. Criamos expectativas, condições que devem ser preenchidas pelos outros e por nós mesmos, definimos “o caminho espiritual é isso ou aquilo”, “um santo é assim ou assado”, “um mestre deve comportar-se desta ou daquela forma”. Tudo o que não se encaixa em nossa forma limitada e condicionada de perceber a vida é rotulado como errado. Os koans servem para quebrar todos estes conceitos, com estes processos.

Em muitas histórias a Iluminação é alcançada em eventos absolutamente singelos como observar uma folha seca ou um travesseiro cair, observar um cachorro bebendo água, contemplar uma paisagem.

Entretanto, sempre queremos fugir da monotonia do presente, do cotidiano, de nossas misérias. Quando um koan nos é apresentado buscamos significados escondidos, ocultos, fantásticos. Porém, os koans apontam para simplicidade da vida, para realidade que está diante de nossos olhos, mas que não percebemos. Não existe nada velado, oculto, escondido. Os véus estão em nossas mentes.

Koans

71. Duelo de Chá

Um mestre da cerimônia do chá no antigo Japão certa vez acidentalmente ofendeu um
soldado, ao distraídamente desdenhá-lo quando ele pediu sua atenção. Ele rapidamente pediu desculpas, mas o altamente impetuoso soldado exigiu que a questão fosse resolvida em um duelo de espadas.

O mestre de chá, que não tinha absolutamente nenhuma experiência com espadas, pediu o conselho de um velho amigo mestre Zen que possuía tal habilidade.

Enquanto era servido de um chá pelo amigo, o espadachim Zen não pôde evitar notar como o mestre de chá executava sua arte com perfeita concentração e tranqüilidade.

“Amanhã,” disse o mestre Zen, “quando você duelar com o soldado, segure sua arma sobre sua cabeça como se estivesse pronto para desferir um golpe, e encare-o com a mesma concentração e tranqüilidade com que você executa a cerimônia do chá”.

No dia seguinte, na exata hora e local escolhidos para o duelo, o mestre de chá seguiu seu
conselho. O soldado, também já pronto para atacar, olhou por muito tempo em silêncio para a face totalmente atenta porém suavemente calma do mestre de chá. Finalmente, o soldado lentamente abaixou sua espada, desculpou-se por sua arrogância, e partiu sem ter dado um único golpe.

72. Surpreendendo o Mestre

Os estudantes em um mosteiro ficavam espantadíssimos com o monge mais velho, não
porque ele fosse rígido, mas porque nada parecia irritá-lo ou perturbá-lo. Na verdade, eles o consideravam alguém sobrenatural e até mesmo um tanto assustador. Um dia eles decidiram fazer um teste com o mestre. Um grupo deles escondeu-se silenciosamente em um canto escuro de uma das passagens do templo, e esperaram o momento em que o velho monge iria passar por ali. Num momento o velho homem apareceu, carregando um copo de chá quente.

Exatamente quando ele passava, todos os estudantes pularam na sua frente, gritando o mais alto que podiam:

“AAAAAAHHHH!”

Mas o monge não demonstrou absolutamente nenhuma reação, deixando todos pasmos de espanto. Pacificamente fez seu caminho até uma pequena mesa no canto mais afastado do templo, gentilmente pousou o copo, e então, encostando no muro, deu um grito de choque:

“OOOHHHHH!”

73. Trabalhando Duro

Um estudante foi ao seu professor e disse fervorosamente, “Eu estou ansioso para entender seus ensinamentos e atingir a Iluminação! Quanto tempo vai demorar para eu obter este prêmio e dominar este conhecimento?”

A resposta do professor foi casual,

“Uns dez anos…”

Impacientemente, o estudante completou,

“Mas eu quero entender todos os segredos mais rápido do que isto! Vou trabalhar duro!

Vou praticar todo o dia, estudar e decorar todos os sutras, farei isso dez ou mais horas por dia!!

Neste caso, em quanto tempo chegarei ao objetivo?”

O professor pensou um pouco e disse suavemente,

“Vinte anos.”

74. A História do Homem

Conta-se que na Pérsia antiga vivia um rei chamado Zemir. Coroado muito jovem, julgou-se na obrigação de instruir-se: reuniu em torno de si numerosos eruditos provenientes de todos os Países e pediu-lhes que editassem para ele a história da humanidade. Todos os eruditos se concentraram, portanto, nesse estudo.

Vinte anos se escoaram no preparo da edição. Finalmente, dirigiram-se a palácio, carregados de quinhentos volumes acomodados no dorso de doze camelos.

O rei Zemir havia, então, passado dos quarenta anos.
“Já estou velho, “disse ele. “Não terei tempo de ler tudo isso antes da minha morte. Nessas
condições, por favor, preparai-me uma edição resumida.”

Por mais vinte anos trabalharam os eruditos na feitura dos livros e voltaram ao palácio com três camelos apenas.

Mas o rei envelhecera muito. Com quase sessenta anos, sentia-se enfraquecido:

“Não me é possível ler todos esses livros. Por favor, fazei-me deles uma versão ainda mais sucinta.”

Os eruditos labutaram mais dez anos e depois voltaram com um elefante carregado das suas obras.

Mas a essa altura, com mais de setenta anos, quase cego, o rei não podia mesmo ler.

Pediu, então, uma edição ainda mais abreviada. Os eruditos também tinham envelhecido. Concentraram-se por mais cinco anos e, momentos antes da morte do monarca, voltaram com um volume só.

“Morrerei, portanto, sem nado conhecer da historia do Homem – disse ele.”

À sua cabeceira, o mais idoso dos eruditos respondeu:

“Vou explicar-vos em três palavras a história do Homem: o homem nasce, sofre e, finalmente, morre.”

Nesse instante o rei expirou.

75. Kantaka e o fio de Aranha

Assim eu ouvi:

O Buddha, um dia, passeava no Céu Trayastrimsa, as margens do lago da Flor de Lótus. Nas profundezas do lago, lobrigava o Naraka (um tipo de região de demérito Kármico, na tradição do Buddhismo Mahayana). Nessa ocasião, viu ali um homem chamado Kantaka que morto dias antes, se debatia e padecia nas profundezas. Transbordando de compaixão, o Buddha Shakyamuni queria socorrer todos os que, embora se achassem mergulhados no Naraka, tivessem praticado uma boa ação na vida.

Kantaka fora ladrão e levara uma existência devassa. Por isso mesmo estava no Naraka.

Certa vez, no entanto, agira com generosidade: um dia, enquanto passeavam, avistara uma inofensiva aranha e tivera vontade de esmagá-la; reprimira-se, contudo, pensando,
subitamente, que talvez pudesse favorecê-la; deixara-a com vida e seguiu o seu caminho.

O Buddha Shakyamuni viu nessa ação generosa um bom espírito, e sentiu-se inclinado a ajudá- lo. Por isso fez descer as profundezas do lago um comprido fio de teia de aranha, que chegou ao Naraka no lugar onde estava Kantaka.

Kantaka olhou para a novidade e concluiu que se tratava de uma corda de prata muito forte.

Mas, não querendo acreditar nisso, disse consigo que devia ser, sem dúvida, um fio de teia de aranha pendurado, muito fino, e que seria provavelmente dificílimo trepar por ele; mesmo assim, arriscaria tudo, pois desejava ardentemente sair daquele Naraka.

Agarrou, portanto o fio, embora não deixasse de pensar nos perigos da escalada, pois a linha poderia rebentar de um momento para outro; mas foi subindo… subindo… auxiliando-se com os pés e as mãos, e envidando grandes esforços para não escorregar.

A escalada era longa. Chegado a metade do caminho, quis olhar para baixo e contemplar os Narakas, que já tinham ficado, decerto, muito longe. Acima dele, via a luz e só ambicionava alcançá-la.

Inclinando-se para baixo, a fim de olhar pela derradeira vez, viu uma multidão de pessoas que também subiam pelo fio, numa sucessão ininterrupta, desde as grandes profundezas do Naraka. Kantaka foi tomado de pânico: a corda poderia, quando muito, agüentá-lo; mas com o peso daquelas centenas de pessoas agarradas a ela acabaria cedendo, e todos, com ele, voltariam ao Naraka!

Que azar! Que droga! Aquela gente lá embaixo não tinha nada que sair do Naraka. Por que precisa seguir-me? – praguejava ele, increspando os seguidores.

Nesse preciso momento, o fio cedeu, exatamente a altura das mãos de Kantaka, e todos
remergulharam nas profundezas tenebrosas do lago.

Naquele mesmo instante, o sol do meio-dia resplandecia sobre o lago em cujas margens
tranqüilas passeava o Buddha…

76. Baso e a Meditação

Quando jovem, Baso praticava incessantemente a Meditação. Certa ocasião, seu Mestre
Nangaku aproximou-se dele e perguntou-lhe:

– Por que praticas tanta Meditação?

– Para me tornar um Buddha.

O Mestre tomou de uma telha e começou a esfregá-la com um pedra. Intrigado, Baso
perguntou:

– O que fazeis com essa telha?

– Pretendo transformá-la num espelho.

– Mas por mais que a esfregueis, ela jamais se transformará num espelho! será sempre uma pedra.

– O mesmo posso dizer de ti. Por mais que pratiques Meditação, não te tornarás Buda.

– Então o que fazer?

– É como fazer um boi andar.

– Não entendo.

– Quando queres fazer um carro de bois andar, bates no boi ou no carro?

Baso não soube o que responder e então o Mestre continuou:

– Buscar o Estado de Buda fazendo apenas Meditação é matar o Buda. Dessa maneira, não
acharás o caminho certo.

77. A Bola e o Zen

Certa vez, enquanto o velho mestre Seppo Gisen jogava bola, Gessha aproximou-se e
perguntou:

“Por que é que a bola rola?”

Seppo respondeu:

“A bola é livre. É a verdadeira liberdade.”

“Por quê?”

“Porque é redonda. Rola em toda parte, seja qual for a direção, livremente. Inconsciente,
natural, automaticamente.”

78. Tigelas

Certa vez um estudante perguntou ao mestre Joshu:

– Mestre, por favor, o que é o Satori?.

Joshu respondeu-lhe:

– Terminaste a refeição?

– É claro, mestre, terminei.

– Então, vai lavar tuas tigelas!

79. Kito

Um dia, Um velho foi visitar mestre Ryokan e disse-lhe:

– Eu quisera pedir-vos que fizésseis um kito [Cerimonia para cumprimento de uma promessa] em minha intenção. Assisti à morte de muita gente ao meu redor. E também deverei morrer um dia. Portanto, por favor, fazei um kito para eu viver por muito tempo.

– De acordo. Fazer um kito para viver muito tempo não é difícil. Quantos anos tendes?

– Apenas oitenta.

– Ainda sois jovem. Diz um provérbio japonês que até os cinqüenta anos somos como crianças e que, entre os setenta e os oitenta, precisamos amar.

– Concordo, fazei-me então um bom kito!

– Até que idade quereis viver?

– Para mim, acho que basta-me viver até os cem.

– Vosso desejo, na verdade, não é muito grande. Para chegar aos cem anos, só vos resta viver mais vinte. Não é um período tão longo assim. E sendo o meu kito muito exato, morrereis exatamente aos cem anos.

O velho ficou com medo:

– Não, não! Fazei que eu viva cento e cinqüenta anos!

– Atualmente, tendo atingido os oitenta, já viveste mais da metade do prazo que desejais.

A escalada de uma montanha exige grande soma de esforços e tempo, mas a descida é rápida. A partir de agora, vossos derradeiros setenta anos passarão como um sonho.

– Nesse caso, dai-me até trezentos anos!

Ryokan respondeu:

– Como o vosso desejo é pequeno! Somente trezentos anos! Diz um provérbio antigo que os grous vivem mais de mil anos e as tartarugas dez mil. Se animais podem viver tanto assim, como é que vós, um homem , desejais viver apenas trezentos anos!

– Tudo isso é muito difícil…- tornou o velho, confuso. – Para quantos anos de vida podeis
fazer-me um kito?

– Quer dizer, então, que não quereis morrer! Eis aí uma atitude de todo em todo egoísta…  replicou o mestre.

– Bem, tem razão….- respondeu o ancião, constrangido.

– Assim sendo, o melhor é fazer um kito para não morrer.

– Sim, é claro! E pode ser? Esse é o kito que eu quero! – o velho animou-se bastante.

– É muito caro, muito, muito caro, e leva muito tempo…

– Não faz mal. – concordou o velho.

Ajuntou, então, Ryokan:

– Começaremos hoje cantando apenas o Makka Hannya Shingyo; a seguir, todos os dias, vireis fazer zazen no templo. Pronunciarei, então, conferências em vossa intenção.

Dessa maneira, de uma forma suave e indireta, Ryokan fez o velho homem deixar de se
preocupar com o dia de sua morte e o conduziu ao Dharma.

80. Essência

Na China, havia um monge Zen, chamado mestre Dori, que, por fazer zazen empoleirado num pinheiro pára-sol, fora alcunhado de mestre Ninho de Passarinho Um poeta muito célebre, Sakuraten, foi visitá-lo e, ao vê-lo fazer zazen, disse-lhe:

“Tomai cuidado, que isso é perigoso; podereis, um dia, cair do pinheiro!”
“De maneira nenhuma,” respondeu mestre Dori. “Vós é que correis perigo de um dia cair.”

Sakuraten refletiu. “Com efeito, vivo dominado por paixão, é como brincar com o raio”. E
perguntou ao mestre Zen:

“Qual é a verdadeira essência do budismo?”

Mestre Dori respondeu:

“Não façais nada violento, praticai somente o aquilo que é justo e equilibrado.”

“Mas até uma criança de três anos sabe disso!” exclamou o poeta.

“Sim, mas é uma coisa difícil de ser praticada até mesmo por um velho de oitenta anos…”
completou o mestre.

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