Koans e Contos Zen Buddhistas: 7

Introdução

Koans são frases enigmáticas de difícil compreensão que são dadas aos discípulos, aos aspirantes. São muito utilizados no Zen, principalmente na escola Rinzai. Eles visam romper com os padrões de pensamento, com a dualidade de conceitos, com condicionamentos mentais.

Os koans sempre possuem respostas, ainda que estas respostas não sejam lógicas ou intelectuais.

As respostas dos koans são espontâneas, intuitivas e muitas vezes parecem tão absurdas quanto o próprio koan. Mas, em realidade, são cheias de profundo significado, tanto quanto o koan, ou até mais.

Muitos koans estão intrinsecamente relacionados com a Doutrina Budista ou com a história de uma tradição específica. Para quem não possui estes conhecimentos estes koans perdem muito de seus significados.

Um koan muito utilizado e que parece até ser apenas uma simples pergunta é “o que falta?”.

Os koans nos colocam num beco sem saída. Ficamos pressionados por dúvidas, conflitos dualistas, certo e errado, bem e mal. Nossas mentes logo começam a tecer considerações sobre as histórias dos koans. Pensamos: “como pode ser um Mestre?”, “como um Mestre comporta-se desta forma?”. Criamos expectativas, condições que devem ser preenchidas pelos outros e por nós mesmos, definimos “o caminho espiritual é isso ou aquilo”, “um santo é assim ou assado”, “um mestre deve comportar-se desta ou daquela forma”. Tudo o que não se encaixa em nossa forma limitada e condicionada de perceber a vida é rotulado como errado. Os koans servem para quebrar todos estes conceitos, com estes processos.

Em muitas histórias a Iluminação é alcançada em eventos absolutamente singelos como observar uma folha seca ou um travesseiro cair, observar um cachorro bebendo água, contemplar uma paisagem.

Entretanto, sempre queremos fugir da monotonia do presente, do cotidiano, de nossas misérias. Quando um koan nos é apresentado buscamos significados escondidos, ocultos, fantásticos. Porém, os koans apontam para simplicidade da vida, para realidade que está diante de nossos olhos, mas que não percebemos. Não existe nada velado, oculto, escondido. Os véus estão em nossas mentes.

Koans

61. Por que palavras?

Um monge aproximou-se de seu mestre – que se encontrava em meditação no pátio do
Templo à luz da lua – com uma grande dúvida:

“Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro
sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os Sutras e as recitações são feitas de
palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos,
porque os termos são usados para defini-lo?”

O velho sábio respondeu: “As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta.”

O monge replicou: “Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?”

“Poderia,” confirmou o mestre, “e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti.

As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em
contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e
completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o
Primeiro Princípio.”

“Então,” o monge perguntou, “por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?”

“Porque,” completou o sábio, “da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato
consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário.”

O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a lua.

62. O Som do Silêncio

Certa vez, um buddhista foi às montanhas procurar um grande mestre, que segundo
acreditava poderia lhe dizer a palavra definitiva sobre o sentido da Sabedoria. Após muitos dias de dura caminhada o encontrou em um belo templo à beira de um lindo vale.

“Mestre, vim até aqui para lhe pedir uma palavra sobre o sentido do Dharma. Por favor, faça-me atravessar os Portões do Zen.”

“Diga-me,” replicou o sábio, “vindo para cá vós passastes pelo vale?”

“Sim.”

“Por acaso ouvistes o seu som?”

Um tanto incerto, o homem disse:

“Bem, ouvi o som do vento como um suave canto penetrando todo o vale.”

O sábio respondeu:

“O local onde vós ouvistes o som do vale é onde começa o caminho que leva aos Portões do Zen. E este som é toda palavra que vós precisais ouvir sobre a Verdade.”

63. O Mudo e o Papagaio

Um jovem monge foi até o mestre Ji-shou e perguntou:

“Como chamamos uma pessoa que entende uma verdade mas não pode explicá-la em palavras?”

Disse o mestre:

“Uma pessoa muda comendo mel”.

“E como chamamos uma pessoa que não entende a verdade, mas fala muito sobre ela?”

“Um papagaio imitando as palavras de uma outra pessoa”.

64. Autocontrole

Um dia aconteceu um tremendo terremoto que sacudiu inteiramente um templo Zen. -Partes dele chegaram mesmo a ruir. Muitos dos monges ficaram terrificados. Quando o terremoto parou o professor do templo disse, vaidosa e arrogantemente:

“Agora vocês tiveram a oportunidade de ver como um verdadeiro sábio Zen se comporta
diante de uma situação de crise. Vocês devem ter notado que EU não entrei em pânico.

EU estive sempre muito consciente do que estava acontecendo e do que fazer. EU guiei vocês todos para a cozinha, a parte mais firme do templo. E esta foi uma brilhante decisão, pois como vocês vêem todos sobrevivemos sem nenhum arranhão! Contudo, a despeito de meu grande autocontrole e compostura exemplar, admito ter sentido um pouco – muito pouco – de tensão. Fato que vocês devem ter deduzido quando me viram beber um grande copo de água, algo que eu jamais faço em circunstâncias normais…”

Neste momento alguns monges sorriram, mas não disseram nada.

“De quê estão rindo?” perguntou o professor.

“Aquilo não era água,” disse um dos monges, “era um grande copo de molho apimentado…”

65. O Silêncio Completo

Quatro monges decidiram meditar em silêncio completo, sem falar por duas semanas. Na
noite do primeiro dia a vela começou a falhar e então apagou.

O primeiro monge disse, “Oh, não! A vela apagou!”

O segundo comentou, “Não tínhamos que ficar em silêncio completo?”

O terceiro reclamou, “Por que vocês dois quebraram o silêncio?”

Finalmente o quarto afirmou, todo orgulhoso, “Aha! Eu sou o único que não falou!”

66. Sem Problema

Um praticante Zen foi à Bankei e fez-lhe esta pergunta, aflito:

“Mestre, Eu tenho um temperamento irascível. Sou às vezes muito agitado e agressivo e acabo criando discussões e ofendendo outras pessoas. Como posso curar isso?”

“Tu possuis algo muito estranho,” replicou Bankei. “Deixe ver como é esse comportamento.”

“Bem… eu não posso mostrá-lo exatamente agora, mestre,” disse o outro, um pouco confuso.

“E quando tu a mostrarás para mim?” perguntou Bankei.

“Não sei… é que isso sempre surge de forma inesperada,” replicou o estudante.

“Então,” concluiu Bankei, “essa coisa não faz parte de tua natureza verdadeira. Se assim fosse, tu poderias mostrá-la sempre que desejasse. Quando tu nasceste não a tinhas, e teus pais não a passaram para ti. Portanto, saibas que ele não existe.”

67. Impermanência

Um famoso mestre espiritual aproximou-se do Portal principal do palácio do Rei. Nenhum dos guardas tentou pará-lo, constrangidos, enquanto ele entrou e dirigiu-se aonde o Rei em pessoa estava solenemente sentado, em seu trono.

“O que vós desejais?” perguntou o Monarca, imediatamente reconhecendo o visitante.

“Eu gostaria de um lugar para dormir aqui nesta hospedaria,” replicou o professor.

“Mas aqui não é uma hospedaria, bom homem, “disse o Rei, divertido, “Este é o meu palácio.”

“Posso lhe perguntar a quem pertenceu este palácio antes de vós?” perguntou o mestre.

“Meu pai. Ele está morto.”

“E a quem pertenceu antes dele?”

“Meu avô,” disse o Rei já bastante intrigado, “Mas ele também está morto.”

“Sendo este um lugar onde pessoas vivem por um curto espaço de tempo e então partem-vós me dizeis que tal lugar NÃO É uma hospedaria?”

68. Buddha – Além da Palavras

Certa vez estava Buddha sentado sob uma árvore, com os seus discípulos reunidos à sua volta esperando que ele iniciasse seu discurso. Em determinado momento, Buddha calmamente inclinou-se e colheu uma flor. Levantou-a à altura de seu rosto e girou-a suavemente.

Seus discípulos ficaram espantados e confusos, e murmuraram entre si questionando o sentido daquilo. Dentre eles, apenas Kashyapa entendeu o gesto, sorrindo. Shakyamuni Buddha percebeu que Kashyapa tinha compreendido, e lhe disse:

“O método de Meditação que ensino é ver as coisas como elas são, nada rejeitar e tratar as coisas com alegria, vendo claramente sua face original. Esse Dharma misterioso transcende a linguagem e os princípios racionais. O pensamento lógico não pode ser usado para obter a Compreensão; apenas com a sensibilidade da não-mente alcança-se a Verdade.

Vós compreendestes. Por isso, concedo-lhe a partir deste momento o espírito do Dhyana.”

69. Uma vida inútil?

Um bondoso fazendeiro tornou-se velho demais para poder trabalhar nos campos. Assim ele passava seus dias apenas sentado na varanda, feliz em observar a natureza. Seu filho era uma pessoa insensível e ambiciosa que não gostava de dar duro. Mas, ainda trabalhando na fazenda, podia observar seu pai de vez em quando ao longe.

“Ele é inútil,” o filho falou para si mesmo, agastado, “ele não faz nada!”

Um dia o filho ficou tão frustado por ver seu pai numa vida que ele considerava absurda, que construiu um caixão de madeira, arrastou-o até a varanda e disse insensivelmente para o seu pai entrar nele. Sem dizer uma palavra, o pai deitou-se no caixão. Após fechar a tampa, o filho arrastou o caixão até as fronteiras da fazenda onde existia um grande abismo.

Quando ele se aproximou da beira, ouviu uma suave batida na tampa, de dentro do caixão. Ele abriu-o. Ainda deitado lá pacificamente, o pai olhou para seu filho.

“Sei que você vai lançar-me no abismo, mas antes de fazer isso posso lhe sugerir uma coisa?”

“O que é?” disse o filho, confuso e algo constrangido por ver seu pai tão calmo.

“Lance-me ao abismo, se quiser,” disse o pai, “mas salve este bom caixão de madeira.

Seus filhos podem querer usá-lo um dia com você…”

70. Quando cansado…

Um estudante perguntou a Joshu, “Mestre, o que o Satori?”

O mestre replicou: “Quando estiver com fome, coma. Quando estiver cansado, durma.”

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