Introdução
Koans são frases enigmáticas de difícil compreensão que são dadas aos discípulos, aos aspirantes. São muito utilizados no Zen, principalmente na escola Rinzai. Eles visam romper com os padrões de pensamento, com a dualidade de conceitos, com condicionamentos mentais.
Os koans sempre possuem respostas, ainda que estas respostas não sejam lógicas ou intelectuais.
As respostas dos koans são espontâneas, intuitivas e muitas vezes parecem tão absurdas quanto o próprio koan. Mas, em realidade, são cheias de profundo significado, tanto quanto o koan, ou até mais.
Muitos koans estão intrinsecamente relacionados com a Doutrina Budista ou com a história de uma tradição específica. Para quem não possui estes conhecimentos estes koans perdem muito de seus significados.
Um koan muito utilizado e que parece até ser apenas uma simples pergunta é “o que falta?”.
Os koans nos colocam num beco sem saída. Ficamos pressionados por dúvidas, conflitos dualistas, certo e errado, bem e mal. Nossas mentes logo começam a tecer considerações sobre as histórias dos koans. Pensamos: “como pode ser um Mestre?”, “como um Mestre comporta-se desta forma?”. Criamos expectativas, condições que devem ser preenchidas pelos outros e por nós mesmos, definimos “o caminho espiritual é isso ou aquilo”, “um santo é assim ou assado”, “um mestre deve comportar-se desta ou daquela forma”. Tudo o que não se encaixa em nossa forma limitada e condicionada de perceber a vida é rotulado como errado. Os koans servem para quebrar todos estes conceitos, com estes processos.
Em muitas histórias a Iluminação é alcançada em eventos absolutamente singelos como observar uma folha seca ou um travesseiro cair, observar um cachorro bebendo água, contemplar uma paisagem.
Entretanto, sempre queremos fugir da monotonia do presente, do cotidiano, de nossas misérias. Quando um koan nos é apresentado buscamos significados escondidos, ocultos, fantásticos. Porém, os koans apontam para simplicidade da vida, para realidade que está diante de nossos olhos, mas que não percebemos. Não existe nada velado, oculto, escondido. Os véus estão em nossas mentes.
Koans
81. Perguntas do Rei Milinda
Durante uma conversa, o rei Milinda perguntou ao Bodhisattva Nagasena:
– Que é o Samsara?
Nagasena respondeu:
– Ó grande rei, aqui nascemos e morremos, lá nascemos e morremos, depois nascemos de
novo e de novo morremos, nascemos, morremos… Ó grande rei, isso é Samsara.
Disse o rei:
– Não compreendo; por favor, explicai-me com mais clareza.
Nagasena replicou:
– É como o caroço de manga que plantamos para comer-lhe o fruto. Quando a grande árvore cresce e dá frutos, as pessoas os comem para, em seguida, plantar os caroços. E dos caroços nasce uma grande mangueira, que dá frutos. Desse modo, a mangueira não tem fim. E assim, grande rei, que nascemos aqui, morremos ali, nascemos, morremos, nascemos, morremos.
Grande rei, isso é Samsara.
Em outro Sutra, o rei Milinda pergunta ainda:
– Que é o que renasce no mundo seguinte (Depois da morte.)
Responde Nagasena:
– Depois da morte nascem o nome, o espírito e o corpo.
O rei pergunta:
– É o mesmo nome, o mesmo espírito e o mesmo corpo que nascem depois da morte?
– Não é o mesmo nome, o mesmo espirito e o mesmo corpo que nascem depois da morte.
Esse nome, esse espírito e esse corpo criam a ação. Pela ação, ou Karma, nascem outro nome, outro espírito e outro corpo.
82. Bonecos
Eis aqui a história do monge Zen Hotan.
Hotan ouvia as preleções de um mestre. Na estréia das palestras, a assistência foi numerosa mas, a pouco e pouco, nos dias seguinte, a sala se esvaziou; até que, um dia, Hotan ficou só na sala com o mestre. E este lhe disse:
– Não posso fazer uma conferência só para ti; de mais a mais, estou cansado.
Hotan prometeu voltar no outro dia com muita gente. Nesse dias Porém. voltou só. Não
obstante, disse ao mestre:
– Podeis fazer a conferência hoje, porque eu trouxe numerosa companhia!
Hotan trouxeram bonequinhas, que espalhara pela sala. Disse-lhe o mestre:
– Mas são apenas bonecas!
– Com efeito, – respondeu-lhe Hotan. – mas todas as pessoas que aqui vieram não são mais do que bonecas, pois não compreendem patavina dos vossos ensinamentos. Só eu lhes
compreendi a profundeza e a verdade. Mesmo que muita gente tivesse vindo, serviria tãosomente de enchimento, decoração, vazio sem fundo.
83. Vem…
Mestre Tokusan (742-865) estava sentado em zazen à beira do rio. Avizinhando-se da
margem, um discípulo gritou-lhe:
– Bom dia, mestre! Como estais?
Tokusan interrompeu o zazen e, com o leque, fez sinal ao discípulo:
Vem . . . vem . . . !
Levantou-se, deu meia-volta e pôs-se a ladear o rio, seguindo o curso da água…
O discípulo, nesse instante, experimentou o Satori.
84. O Médico e o Zen
Kenso Kusuda, diretor de um hospital em Nihonbashi, Tóquio, recebeu um dia a visita de um velho amigo, também médico, que não via há sete anos.
“Como vai?”, perguntou Kusuda.
“Deixei a medicina”, respondeu o amigo.
“Ah, sim?”
“Na verdade, agora eu pratico o Zen.”
“E o que é o Zen?”– quis saber Kusuda.
“É difícil explicar…” — hesitou o amigo.
“E como é possível entendê-lo, então?”
“Bem, deve-se praticá-lo.”
“E como faço isso?”
“Em Koishikawa, há uma sala de meditação dirigida pelo Mestre Nan-In. Se quiser
experimentar, vá até lá.”
No dia seguinte Kusuda dirigiu-se à sala de meditação do Mestre Nan-In. Ao chegar, gritou:
“Com licença!”
“Quem é?” responderam lá de dentro. Um velho de aspecto miserável, que se aquecia junto a um fogareiro próximo ao vestíbulo, dirigiu-se a ele. Kusuda entregou-lhe seu cartão e o velho, após dar uma olhada, disse sorrindo:
“Olá!!! Faz tempo que o senhor não aparece!”
“Mas… é a primeira vez que venho aqui!” – disse Kusuda, surpreso.
“Ah, sim? É a primeira vez? Como está escrito ‘Diretor de hospita1’, pensei que fosse o Sasaki.
O que o senhor deseja?”
“Quero falar com o Mestre Nan-in.”
“Já está falando com ele!” disse o velho, abrindo um largo sorriso.
“Então o Mestre Nan-in é o senhor?”, disse Kusuda meio desconfiado. Esperava alguém mais “venerável”.
“Eu mesmo”, respondeu o velho, sem dar mostras de resolver a mandar seu visitante entrar.
Já meio desanimado e um tanto desdenhoso, Kusuda decidiu falar ali mesmo, de pé, no
vestíbulo:
“Eu gostaria que o senhor me ensinasse a praticar o Zen.”
O velho olhou para ele e disse:
“Praticar o Zen? O senhor é um médico não? Deve então tratar bem de seus doentes e se
esforçar para o bem de sua família, o Zen é isso. Agora, pode ir embora.”
Kusuda voltou para casa, sem entender nada. Intrigado com as palavras de Nan-In, três dias depois resolveu visitar novamente o velho Mestre. Nan-In atendeu-o novamente no Vestíbulo.
“Novamente o senhor aqui? O que deseja?”
“Insisto para que o senhor me ensine a praticar o Zen!” – disse Kusuda petulantemente.
“Ora, nada tenho a acrescentar ao que já disse outro dia. Vá embora e seja um bom médico”.
E fechou a porta.
Dois ou três dias depois, Kusuda novamente voltou a ver o Mestre, pois absolutamente não conseguira entender suas palavras.
“Outra vez aqui?”
“Eu vim porque não consegui entender suas palavras, por mais que pensasse sobre elas.”
“Pensando nas palavras é que o senhor não vai entender coisa nenhuma mesmo!” – disse o velho monge.
“Então o que eu devo fazer?” – disse Kusuda, já quase desesperado.
“Procure perceber por si, ora essa! Agora, vá embora.”
Mas Kusuda desta vez zangou-se muito e respondeu:
“Por três vezes, embora tenha muitos afazeres, larguei tudo e vim até aqui pedir-lhe para me ensinar o Zen e sempre o senhor me manda embora sem me dar o mínimo esclarecimento!
Que espécie de mestre é o senhor, afinal!?!”
“Ah! Finalmente ele zangou-se!”, exclamou o Mestre.
“Mas é EVIDENTE!”, desabafou o médico.
“Então agora chega de palavreado e seja educado! Faça-me uma saudação.”
Encarando fixamente o velho monge, Kusuda reprimiu sua vontade de dar-lhe um soco na cara e inclinou-se em reverência. O Mestre então conduziu-o à sala de meditação e o ensinou a praticar zazen.
Anos depois, Kusuda finalmente entendeu porque o Zen também é cuidar bem dos doentes e esforçar-se para o bem de sua família.
85. Joshu e o Grande Caminho
Certa vez, um homem encontrou Joshu, que estava atarefado em limpar o pátio do mosteiro.
Feliz com a oportunidade de falar com um grande Mestre, o homem, imaginando conseguir de Joshu respostas para a questão metafísica que lhe estava atormentando, lhe perguntou:
“Oh, Mestre! Diga-me: onde está o Caminho?”
Joshu, sem parar de varrer, respondeu solícito:
“O caminho passa ali fora, depois da cerca.”
“Mas,” replicou o homem meio confuso, “eu não me refiro a esse caminho.”
Parando seu trabalho, o Mestre olhou-o e disse:
“Então de que caminho se trata?”
O outro disse, em tom místico:
“Falo, mestre, do Grande Caminho!”
“Ahhh, esse!” sorriu Joshu. “O grande caminho segue por ali até a Capital.”
E continuou a sua tarefa.
86. Apenas uma estátua
Certa vez Tan-hsia, monge da dinastia Tang, fez uma parada em Yerinji, na Capital, cansado e com muito frio. Como era impossível conseguir abrigo e fogo, e como era evidente que não sobreviveria à noite, retirou em um antigo templo uma das imagens de madeira entronizadas de Buddha, rachou-a e preparou com ela uma fogueira, assim aquecendo-se.
O monge guardião de um templo mais novo próximo, ao chegar ao local de manhã e ver o que tinha acontecido, ficou estarrecido e exclamou:
“Como ousais queimar a sagrada imagem de Buddha?!?”
Tan-hsia olhou-o e depois começou a mexer nas cinzas, como se procurasse por algo, dizendo:
“Estou recolhendo as Sariras (*) de Buddha…”
“Mas,” disse o guardião confuso “este é um pedaço de madeira! Como podes encontrar
Sariras em um objeto de madeira?”
“Nesse caso,” retorquiu o outro “sendo apenas uma estátua de madeira, posso queimar as
duas outras imagens restantes?”
(*) Sariras – tais objetos são depósitos minerais – como pequenas pedras – que sobram de
alguns corpos cremados, e que segundo a tradição foram encontrados após a cremação do corpo de Gautama Buddha, sendo considerados objetos sagrados.
Koan: Em que parte de um objeto fica o reverenciado Sagrado?
87. O Monge Indiferente
Uma velha construiu uma cabana para um monge e o alimentou por vinte anos, como forma de adquirir méritos. Certo dia, como forma de experimentar a sabedoria adquirida pelo monge, a velha pediu à jovem mulher que levava ao monge o alimento todos os dias (já que a velha senhora não podia mais fazer o caminho com freqüência) o abraçasse. Ao chegar à cabana, a menina encontrou o monge em zazen. Ela abraçou-o e perguntou-lhe se gostava dela.
O monge, frio e indiferente, disse de forma dura:
“É como se uma árvore seca estivesse abraçada a uma fria rocha. Está tão frio como o mais rigoroso inverno, não sinto nenhum calor.”
A jovem retornou, e disse o que o monge fez. A velha, irritadíssima, foi até lá, expulsou o
monge e queimou a cabana. Enquanto ele se afastava, ela gritou:
“E eu, que passei vinte anos sustentando um idiota!”
88. Baso e o Nariz
Certo dia Baso passeava em companhia de seu jovem discípulo Hyakujô. A certa altura do passeio, viram uma revoada de patos selvagens. Baso perguntou então a Hyakujô:
“Que é aquilo, Hyakujô?”
“São patos selvagens, Mestre” – disse o jovem.
“E para onde vão?”
“Vão-se embora, voando…” – replicou Hyakujô, fitando o céu, pensativo.
Então Baso agarrou o nariz de seu discípulo com toda a força, dando um forte puxão. Hyakujô gritou:
“Aaaai!”
Baso exclamou: “NÃO FORAM EMBORA COISA NENHUMA!”
Ao ouvir isso, Hyakujô obteve o Satori.
89. O tesouro em casa
Um dia, um jovem chamado Yang Fu deixou sua família e lar para ir a Sze-Chuan visitar o Bodhisattva Wu-Ji. Ele sonhou que junto àquele mestre poderia encontrar um grande tesouro de sabedoria. Quando já se encontrava às portas da cidade, após uma longa viajem cheia de aventuras, encontrou um velho senhor. Este lhe perguntou:
“Onde vais, jovem?”
“Vou estudar com Wu-Ji, o Bodhisattva.” – respondeu o rapaz.
“Em vez de buscar um Bodhisattva, é mais maravilhoso encontrar Buddha.”
Excitado com a perspectiva de encontrar o Grande Mestre, disse Yang Fu:
“Oh! Sabes onde encontrá-lo?!”
“Voltes para casa agora mesmo. Quando lá chegares, encontrarás uma pessoa usando uma manta e chinelos trocados, que lhe cumprimentará. Essa pessoa é o Buddha.”
O rapaz pensou, aterrado: “Como posso retornar agora, quando estou às portas do meu
objetivo? Eu teria que confiar muito no que este simples velho me diz”. Então Yang Fu teve uma forte intuição de que aquele simples homem à sua frente era alguém de grande
sabedoria.
Num impulso, voltou-se para a estrada, sem jamais ter encontrado Wu-Ji. Ele
retornou o mais rápido que pode, ansioso pela vontade de encontrar Buddha. Chegou em casa tarde da noite, e sua amorosa mãe, em meio à alegria e pressa de abraçar o filho que retornava ao lar, cobriu-se de uma manta usada e calçou seus chinelos trocados.
Olhando para sua mãe desse modo, que vinha sorrindo e pronta a abraçá-lo, Yang Fu atingiu o Satori. Este era o maior tesouro.
90. O Mistério do Zen
Certa vez, Huang Shan-ku perguntou ao mestre Hui-t’ang:
“Por favor, Mestre, diga-me qual é o significado oculto do Buddhismo?”
O Mestre replicou:
“Kung-Tzu (Confúcio) disse: ‘Pensais que estou escondendo coisas, ó meus discípulos? Na
verdade, não escondo nada de vocês’. O Zen também não tem nada de oculto. A Verdade já está revelada.”
“Não enten…!” estava dizendo o homem. Mas o mestre fez um gesto de silêncio e disse:
“Não digas nada!”
Huang Shan-ku ficou confuso. O Mestre então ergueu-se e convidou-o a seguí-lo até o sopé de uma montanha. Eles caminharam em silêncio. Lá chegando, o Mestre perguntou:
“Sentes o suave aroma dos ciprestes?”
“Sim,” disse o outro.
“Como vês, também eu não escondo nada de ti.”