Koans e Contos Zen Buddhistas: 6

Introdução

Koans são frases enigmáticas de difícil compreensão que são dadas aos discípulos, aos aspirantes. São muito utilizados no Zen, principalmente na escola Rinzai. Eles visam romper com os padrões de pensamento, com a dualidade de conceitos, com condicionamentos mentais.

Os koans sempre possuem respostas, ainda que estas respostas não sejam lógicas ou intelectuais.

As respostas dos koans são espontâneas, intuitivas e muitas vezes parecem tão absurdas quanto o próprio koan. Mas, em realidade, são cheias de profundo significado, tanto quanto o koan, ou até mais.

Muitos koans estão intrinsecamente relacionados com a Doutrina Budista ou com a história de uma tradição específica. Para quem não possui estes conhecimentos estes koans perdem muito de seus significados.

Um koan muito utilizado e que parece até ser apenas uma simples pergunta é “o que falta?”.

Os koans nos colocam num beco sem saída. Ficamos pressionados por dúvidas, conflitos dualistas, certo e errado, bem e mal. Nossas mentes logo começam a tecer considerações sobre as histórias dos koans. Pensamos: “como pode ser um Mestre?”, “como um Mestre comporta-se desta forma?”. Criamos expectativas, condições que devem ser preenchidas pelos outros e por nós mesmos, definimos “o caminho espiritual é isso ou aquilo”, “um santo é assim ou assado”, “um mestre deve comportar-se desta ou daquela forma”. Tudo o que não se encaixa em nossa forma limitada e condicionada de perceber a vida é rotulado como errado. Os koans servem para quebrar todos estes conceitos, com estes processos.

Em muitas histórias a Iluminação é alcançada em eventos absolutamente singelos como observar uma folha seca ou um travesseiro cair, observar um cachorro bebendo água, contemplar uma paisagem.

Entretanto, sempre queremos fugir da monotonia do presente, do cotidiano, de nossas misérias. Quando um koan nos é apresentado buscamos significados escondidos, ocultos, fantásticos. Porém, os koans apontam para simplicidade da vida, para realidade que está diante de nossos olhos, mas que não percebemos. Não existe nada velado, oculto, escondido. Os véus estão em nossas mentes.

Koans

51. Chá ou Paulada

Certa vez Hakuin contou uma estória:

Havia uma velha mulher que tinha uma casa de chá na vila. Ela era uma grande conhecedora da cerimônia do chá, e sua sabedoria no Zen era soberba. Muitos estudantes ficavam surpresos e ofendidos que uma simples velha pudesse conhecer o Zen, e iam à vila para testá- la e ver se isso era mesmo verdade.

Toda vez que a velha senhora via monges se aproximando, ela sabia se eles vinham apenas para experimentar o seu chá, ou para testá-la no Zen. Àqueles que vinham pelo chá ela servia gentil e graciosamente, encantando-os. Àqueles que vinham tentar saber de seu conhecimento do Zen, ela escondia-se até que o monge chegasse à porta e então lhe batia com um tição.

“Apenas um em cada dez conseguiam escapar da paulada…”

52. Os Poderes Sobrenaturais

Certa manhã, o Mestre Daie, ao levantar-se, chamou seu discípulo Gyozan e lhe disse:
“Vamos fazer uma disputa para saber quem de nós dois possui mais poderes sobrenaturais?”

Gyozan retirou-se sem nada responder. Dali a pouco, voltou trazendo uma bacia com água e uma toalha. O mestre lavou o rosto e enxugou-se em silêncio. Depois, Daie e Gyozan sentaram em ante uma mesinha e ficaram conversando sobre assunto diversos, tomando chá. Pouco depois, Kyogen, outro discípulo, aproximou-se e perguntou:

“O que estão fazendo?”

“Estamos fazendo uma competição com nossos poderes sobrenaturais”, respondeu o Mestre, “Queres participar?” Kyogen retirou-se calado e logo depois retornou trazendo uma bandeja com doces e biscoitos.

O Mestre Daie então dirigiu-se aos seus dois discípulos, e exclamou:

“Na verdade, vós superais em poderes sobrenaturais Sariputra, Mogallana e todos os
discípulos de Buddha!”

53. Pó

Chao-Chou (Joshu) certa vez varria o chão quando um monge lhe perguntou:
“Sendo vós o sábio e santo Mestre, dizei-me como se acumula tanto pó em seu quintal?”
Disse o Mestre, apontando para o pátio:

“Ele vem lá de fora.”

54. Jardim Zen – A Beleza Natural

Um monge jovem era o responsável pelo jardim zen de um famoso templo Zen. Ele tinha
conseguido o trabalho porque amava as flores, arbustos e árvores. Próximo ao templo havia um outro templo menor onde vivia apenas um velho mestre Zen. Um dia, quando o monge estava esperando a visita de importantes convidados, ele deu uma atenção extra ao cuidado do jardim. Ele tirou as ervas daninhas, podou os arbustos, cardou o musgo, e gastou muito tempo meticulosamente passando o ancinho e cuidadosamente tirando as folhas secas de outono. Enquanto ele trabalhava, o velho mestre observava com interesse de cima do muro que separava os templos.

Quando terminou, o monge afastou-se um pouco para admirar seu trabalho.

“Não está lindo?” ele perguntou, feliz, para o velho monge.

“Sim,” replicou o ancião, “mas está faltando algo crucial. Me ajude a pular este muro e eu irei acertar as coisas para você.”

Após certa hesitação, o monge levantou o velho por sobre o muro e pousou-o suavemente em seu lado. Vagarosamente, o mestre caminhou para a árvore mais próxima ao centro do jardim, segurou seu tronco e o sacudiu com força. Folhas desceram suavemente à brisa e caíram por sobre todo o jardim.

“Pronto!” disse o velho monge,” agora você pode me levar de volta.”

55. Ponte de Pedra

Havia uma famosa ponte de pedra no Monastério de Chao-Chou (Joshu) que era uma atração do lugar. Certa vez um monge viajante afirmou:

“Já ouvi falar sobre a famosa ponte de pedra, mas até agora não a vi. Vejo somente uma
tábua.”

“Vedes uma tábua,” confirmou Chao-chou, “e não vedes a ponte de madeira.”

“Então onde está a ponte de pedra?” perguntou o monge.

“Acabastes de cruzá-la”, disse prontamente Chao-Chou.

56. Apenas duas palavras

Havia um certo Monastério Soto Zen que era muito rígido. Seguindo um estrito voto de
silêncio, a ninguém era permitido falar. Mas havia uma pequena exceção a esta regra: a cada 10 anos os monges tinham permissão de falar apenas duas palavras. Após passar seus primeiros dez anos no Monastério, um jovem monge foi permitido ir ao monge Superior.

“Passaram-se dez anos,” disse o monge Superior. “Quais são as duas palavras que você
gostaria de dizer?”

“Cama dura…” disse o jovem.

“Entendo…” replicou o monge Superior.

Dez anos depois, o monge retornou à sala do monge Superior.

“Passaram-se mais dez anos,” disse o Superior. “Quais são as duas palavras que você -gostaria de dizer?”

“Comida ruim…” disse o monge.

“Entendo…” replicou o Superior.

Mais dez anos se foram e o monge uma vez mais encontrou-se com o seu Superior, que
perguntou:

“Quais são as duas palavras que você gostaria de dizer, após mais estes dez anos?”

“Eu desisto!” disse o monge.

“Bem, eu entendo o porquê,” replicou, cáustico, o monge Superior. “Tudo o que você sempre fez foi reclamar!”

(Este é um conto comum em alguns locais Soto ocidentais. Não existe certeza se é um conto Zen original. Como muitas anedotas, esta aqui nos faz rir, mas também nos encoraja a refletir sobre o quê há de engraçado nisso tudo…)

57. Aranha

Um conto Tibetano fala de um estudante de meditação que, enquanto meditava em seu
quarto, pensava ver uma assustadora aranha descendo à sua frente. A cada dia a criatura ameaçadora retornava cada vez maior em tamanho. Tão terrificado estava o estudante que finalmente foi ao seu professor para relatar o seu dilema:

“Não posso continuar meditando com tal ameaça sobre mim,” disse ele tremendo de pavor.
“Vou guardar uma faca em meu colo durante a meditação, de forma que quando a aranha aparecer eu possa matá-la!”

O professor advertiu-o contra esta idéia:

“Não faça isso. Faça como eu lhe digo: leve um pedaço de carvão na sua meditação, e quando a aranha aparecer, marque um ‘X’ em sua barriga. Depois disso venha até mim.”
O estudante retornou à sua meditação. Quando a aranha novamente apareceu, ele lutou
contra o impulso de atacá-la e em vez disso fez como o mestre sugeriu. Então correu para a sala de dele, gritando:

“Eu a marquei na barriga! Fiz o que me pediu! O que faço agora?”

O professor olhou-o e falou:

“Levante a túnica e olhe para sua própria barriga.”

Ao fazer isso, o estudante viu o “X” que havia feito.

58. Meditação e Macacos

Um homem estava interessado em aprender meditação. Foi até um zendo (local de prática meditativa zen) e bateu na porta. Um velho professor o atendeu:
“Sim?”

“Bom dia meu senhor,” começou o homem. “Eu gostaria de aprender a fazer meditação.
Como eu sei que isso é difícil e muito técnico, eu procurei estudar ao máximo, lendo livros e opiniões sobre o que é meditação, suas posturas, etc… Estou aqui porque o senhor é considerado um grande professor de meditação. Gostaria que o senhor me ensinasse.”

O velho ficou olhando o homem enquanto este falava. Quando terminou, o professor disse:

“Quer aprender meditação?”

“Claro! Quero muito?” exclamou o outro.

“Estudou muito sobre meditação?”, disse um tanto irônico.

“Fiz o máximo que pude…” afirmou o homem.

“Certo,” replicou o velho. “Então vá para casa e faça exatamente isso: NÃO PENSE EM
MACACOS.”

O homem ficou pasmo. Nunca tinha lido nada sobre isso nos livros de meditação. Ainda meio incerto, perguntou:

“Não pensar em macacos? É só isso?”

“É só isso.”

“Bem isso é simples de fazer” pensou o homem, e concordou. O professor então apenas
completou:

“Ótimo. Volte amanhã,” e bateu a porta.

Duas horas depois, o professor ouviu alguém batendo freneticamente a porta do zendo. Ele abriu-a, e lá estava de novo o mesmo homem.

“Por favor me ajude!” exclamou aflito “Desde que o senhor pediu para que eu não pensasse em macacos, não consegui mais deixar de me preocupar em NÃO PENSAR NELES!!!!

Vejo macacos em todos os cantos!!!!”

59. O Eu Verdadeiro

Um homem muito perturbado foi até um mestre Zen, apresentou-se e disse:
“Por favor, Mestre, eu me sinto desesperado! Não sei quem eu sou. Sempre li e ouvi falar
sobre o Eu Superior, nossa verdadeira Essência Transcendental, e por muitos anos tentei
atingir esta realidade profunda, sem nunca ter sucesso! Por favor mostre-me meu Eu
Verdadeiro!”

Mas o professor apenas ficou olhando para longe, em silêncio, sem dar nenhuma resposta. O homem começou a implorar e pedir, sem que o mestre lhe desse nenhuma atenção.

Finalmente, banhado em lágrimas de frustração, o homem virou-se e começou a se afastar.

Neste momento o mestre chamou-o pelo nome, em voz alta.

“Sim?” replicou o homem, enquanto se virava para fitar o sábio.

“Eis o seu verdadeiro Eu.” disse o mestre.

60. Ansiando por Deus

Um sábio estava meditando à margem de um rio quando um homem jovem, um tanto
entusiasmado, o interrompeu.

“Mestre, eu desejo ser seu discípulo!”, disse o jovem.
“Por quê?” replicou o sábio.

O jovem era uma pessoa que sempre ouviu falar dos caminhos espirituais, e tinha uma idéia fantasiosa e romântica deles. Em sua imaturidade, ele achava que ser “espiritual” era algo como participar de um movimento, de uma crença, de uma moda, sem grandes
conseqüências. Ele então pensou numa resposta bem “profunda” e disse:

“Porque eu quero encontrar DEUS!”

O sábio pulou de onde estava, agarrou o rapaz pelo cangote, arrastou-o até o rio e mergulhou sua cabeça sob a água. Manteve-o lá por quase um minuto, sem permitir que respirasse, enquanto o terrificado rapaz chutava e lutava para se libertar. Finalmente o mestre o puxou da água e o arrastou de volta à margem. Largou-o no chão, enquanto o homem cuspia água e engasgava, lutando para retomar a respiração e entender o que acontecera.

Quando ele eventualmente se acalmou, o sábio lhe perguntou:

“Diga-me, quando estava sob a água, sabendo que morreria, o que você queria mais do que tudo?

“Ar!”, respondeu o jovem, amuado.

“Muito bem”, disse o mestre. “Vá para sua casa, e quando você souber ansiar por um Deus tanto quanto você acabou de ansiar por ar, pode voltar a me procurar.”

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