Introdução
Koans são frases enigmáticas de difícil compreensão que são dadas aos discípulos, aos aspirantes. São muito utilizados no Zen, principalmente na escola Rinzai. Eles visam romper com os padrões de pensamento, com a dualidade de conceitos, com condicionamentos mentais.
Os koans sempre possuem respostas, ainda que estas respostas não sejam lógicas ou intelectuais.
As respostas dos koans são espontâneas, intuitivas e muitas vezes parecem tão absurdas quanto o próprio koan. Mas, em realidade, são cheias de profundo significado, tanto quanto o koan, ou até mais.
Muitos koans estão intrinsecamente relacionados com a Doutrina Budista ou com a história de uma tradição específica. Para quem não possui estes conhecimentos estes koans perdem muito de seus significados.
Um koan muito utilizado e que parece até ser apenas uma simples pergunta é “o que falta?”.
Os koans nos colocam num beco sem saída. Ficamos pressionados por dúvidas, conflitos dualistas, certo e errado, bem e mal. Nossas mentes logo começam a tecer considerações sobre as histórias dos koans. Pensamos: “como pode ser um Mestre?”, “como um Mestre comporta-se desta forma?”. Criamos expectativas, condições que devem ser preenchidas pelos outros e por nós mesmos, definimos “o caminho espiritual é isso ou aquilo”, “um santo é assim ou assado”, “um mestre deve comportar-se desta ou daquela forma”. Tudo o que não se encaixa em nossa forma limitada e condicionada de perceber a vida é rotulado como errado. Os koans servem para quebrar todos estes conceitos, com estes processos.
Em muitas histórias a Iluminação é alcançada em eventos absolutamente singelos como observar uma folha seca ou um travesseiro cair, observar um cachorro bebendo água, contemplar uma paisagem.
Entretanto, sempre queremos fugir da monotonia do presente, do cotidiano, de nossas misérias. Quando um koan nos é apresentado buscamos significados escondidos, ocultos, fantásticos. Porém, os koans apontam para simplicidade da vida, para realidade que está diante de nossos olhos, mas que não percebemos. Não existe nada velado, oculto, escondido. Os véus estão em nossas mentes.
Koans
41. O Paraíso
Duas pessoas estavam perdidas no deserto. Elas estavam morrendo de inanição e sede.
Finalmente, eles avistaram um alto muro. Do outro lado eles podiam ouvir o som de quedas d’água e pássaros cantando. Acima eles podiam ver os galhos de uma árvore frutífera atravessando e pendendo sobre o muro. Seus frutos pareciam deliciosos.
Um dos homens subiu o muro e desapareceu no outro lado.
O outro, em vez disso, saciou sua fome com as frutas que sobressaíam da árvore ali mesmo, e retornou ao deserto para ajudar outros perdidos a encontrar o caminho para o oásis.
42. Gato Ritual – Complicando o que é simples
Quando um mestre espiritual e seus discípulos começavam sua meditação do anoitecer, o gato que vivia no Monastério fazia tanto barulho que os distraía. Então o professor ordenou que o gato fosse amordaçado durante a prática noturna.
Anos depois, quando o mestre morreu, o gato continuou a ser amarrado durante a meditação. E quando o gato eventualmente morreu, outro gato foi trazido para o Monastério e amarrado.
Séculos depois, quando todos os fatos do evento estavam perdidos no passado, praticantes intelectuais que estudavam os ensinamentos daquele mestre espiritual escreveram longos tratados escolásticos sobre a significância de se amordaçar um gato durante a prática da meditação…
43. Natureza
Dois monges estavam lavando suas tigelas no rio quando perceberam um escorpião que
estava se afogando. Um dos monges imediatamente pegou-o e o colocou na margem. No
processo ele foi picado. Ele voltou para terminar de lavar sua tigela e novamente o escorpião caiu no rio. O monge salvou o escorpião e novamente foi picado. O outro monge então perguntou:
“Amigo, por que você continua a salvar o escorpião quando você sabe que sua natureza é agir com agressividade, picando-o?”
“Porque,” replicou o monge, “agir com compaixão é a minha natureza.”
(Outra versão deste conto descreve uma raposa que concorda em carregar um escorpião em suas costas através de um rio, sob a condição que o escorpião não o pique. Mas o escorpião ainda assim pica a raposa quando ambos estavam no meio da correnteza. Enquanto a raposa afundava, levando o escorpião consigo, ela lamentosamente perguntou ao escorpião por que tinha condenado a ambos à morte ao picá-la.
“Porque é minha natureza.”
A mesma estória é encontrada na tradição indígena americana. No Brasil a raposa é
substituída por um sapo.)
44. Sem Mais Questões
Ao encontrar um mestre Zen em um evento social, um psiquiatra decidiu colocar-lhe uma questão que sempre esteve em sua mente:
“Exatamente como você ajuda as pessoas?” ele perguntou.
“Eu as alcanço naquele momento mais difícil, quando elas não tem mais nenhuma questão para perguntar,” o mestre respondeu.
45. Não Morri Ainda
O Imperador perguntou ao Mestre Gudo:
“O que acontece com um homem iluminado após a morte?”
“Como eu poderia saber?”, replicou Gudo.
“Porque o senhor é um mestre… não é?” respondeu o Imperador, um pouco surpreso.
“Sim Majestade,” disse Gudo suavemente, “mas ainda não sou um mestre morto.”
46. Samsara
O monge perguntou ao Mestre:
“Como posso sair do Samsara (a Roda de renascimentos e mortes)?”
O Mestre respondeu:
“Quem te colocou nele?”
47. Mente em Movimento
Dois homens estavam discutindo sobre uma flâmula que tremulava ao vento:
“É o vento que realmente está se movendo!” declarou o primeiro.
“Não, obviamente é a flâmula que se move!” contestou o segundo.
Um mestre Zen, que por acaso passava perto, ouviu a discussão e os interrompeu dizendo:
“Nem a flâmula nem o vento estão se movendo,” disse, “É a MENTE que se move.”
48. O Quebrador de Pedras
Era uma vez um simples quebrador de pedras que estava insatisfeito consigo mesmo e com sua posição na vida.
Um dia ele passou em frente a uma rica casa de um comerciante. Através do portal aberto, ele viu muitos objetos valiosos e luxuosos e importantes figuras que freqüentavam a mansão.
“Quão poderoso é este mercador!” pensou o quebrador de pedras. Ele ficou muito invejoso disso e desejou que ele pudesse ser como o comerciante.
Para sua grande surpresa ele repentinamente tornou-se o comerciante, usufruindo mais luxos e poder do que ele jamais tinha imaginado, embora fosse invejado e detestado por todos aqueles menos poderosos e ricos do que ele. Um dia um alto oficial do governo passou à sua frente na rua, carregado em uma liteira de seda, acompanhado por submissos atendentes e escoltado por soldados, que batiam gongos para afastar a plebe. Todos, não importa quão ricos, tinham que se curvar à sua passagem.
“Quão poderoso é este oficial!” ele pensou. “Gostaria de poder ser um alto oficial!”
Então ele tornou-se o alto oficial, carregado em sua liteira de seda para qualquer lugar que fosse, temido e odiado pelas pessoas à sua volta. Era um dia de verão quente, e o oficial sentiu-se muito desconfortável na suada liteira de seda. Ele olhou para o Sol. Este fulgia orgulhoso no céu, indiferente pela sua reles presença abaixo.
“Quão poderoso é o Sol!” ele pensou. “Gostaria de ser o Sol!”
Então ele tornou-se o Sol. Brilhando ferozmente, lançando seus raios para a terra sobre tudo e todos, crestando os campos, amaldiçoado pelos fazendeiros e trabalhadores. Mas um dia uma gigantesca nuvem negra ficou entre ele e a terra, e seu calor não mais pôde alcançar o chão e tudo sobre ele.
“Quão poderosa é a nuvem de tempestade!” ele pensou “Gostaria de ser uma nuvem!”
Então ele tornou-se a nuvem, inundando com chuva campos e vilas, causando temor a todos.
Mas repentinamente ele percebeu que estava sendo empurrado para longe com uma força descomunal, e soube que era o vento que fazia isso.
“Quão poderoso é o Vento!” ele pensou. “Gostaria de ser o vento!”
Então ele tornou-se o vento de furacão, soprando as telhas dos telhados das casas,
desenraizando árvores, temido e odiado por todas as criaturas na terra. Mas em determinado momento ele encontrou algo que ele não foi capaz de mover nem um milímetro, não importasse o quanto ele soprasse em sua volta, lançando-lhe rajadas de ar. Ele viu que o objeto era uma grande e alta rocha.
“Quão poderosa é a rocha!” ele pensou. “Gostaria de ser uma rocha!”
Então ele tornou-se a rocha. Mais poderoso do que qualquer outra coisa na terra, eterno,
inamovível. Mas enquanto ele estava lá, orgulhoso pela sua força, ele ouviu o som de um
martelo batendo em um cinzel sobre uma dura superfície, e sentiu a si mesmo sendo
despedaçado.
“O que poderia ser mais poderoso do que uma rocha?!?” pensou surpreso.
Ele olhou para baixo de si e viu a figura de um quebrador de pedras.
49. Talvez
Há um conto Taoísta sobre um velho fazendeiro que trabalhou em seu campo por muitos
anos. Um dia seu cavalo fugiu. Ao saber da notícia, seus vizinhos vieram visitá-lo.
“Que má sorte!” eles disseram solidariamente.
“Talvez,” o fazendeiro calmamente replicou. Na manhã seguinte o cavalo retornou, trazendo com ele três outros cavalos selvagens.
“Que maravilhoso!” os vizinhos exclamaram.
“Talvez,” replicou o velho homem. No dia seguinte, seu filho tentou domar um dos cavalos, foi derrubado e quebrou a perna. Os vizinhos novamente vieram para oferecer sua simpatia pela má fortuna.
“Que pena,” disseram.
“Talvez,” respondeu o fazendeiro. No próximo dia, oficiais militares vieram à vila para
convocar todos os jovens ao serviço obrigatório no exército, que iria entrar em guerra. Vendo que o filho do velho homem estava com a perna quebrada, eles o dispensaram. Os vizinhos congratularam o fazendeiro pela forma com que as coisas tinham se virado a seu favor.
O velho olhou-os, e com um leve sorriso disse suavemente:
“Talvez.”
50. Cipreste
Um monge perguntou ao mestre:
“Qual o significado de Dharma-Buddha?”
O mestre apontou e disse:
“O cipreste no jardim.”
O monge ficou irritado, e disse:
“Não, não! Não use parábolas aludindo a coisas concretas! Quero uma explicação intelectual clara do termo!”
“Então eu não vou usar nada concreto, e serei intelectualmente claro,” disse o mestre. O
monge esperou um pouco, e vendo que o mestre não iria continuar fez a mesma pergunta:
“Então? Qual o significado de Dharma-Buddha?”
O mestre apontou e disse:
“O cipreste no jardim.”