Koans e Contos Zen Buddhistas: 3

Introdução

Koans são frases enigmáticas de difícil compreensão que são dadas aos discípulos, aos aspirantes. São muito utilizados no Zen, principalmente na escola Rinzai. Eles visam romper com os padrões de pensamento, com a dualidade de conceitos, com condicionamentos mentais.

Os koans sempre possuem respostas, ainda que estas respostas não sejam lógicas ou intelectuais.

As respostas dos koans são espontâneas, intuitivas e muitas vezes parecem tão absurdas quanto o próprio koan. Mas, em realidade, são cheias de profundo significado, tanto quanto o koan, ou até mais.

Muitos koans estão intrinsecamente relacionados com a Doutrina Budista ou com a história de uma tradição específica. Para quem não possui estes conhecimentos estes koans perdem muito de seus significados.

Um koan muito utilizado e que parece até ser apenas uma simples pergunta é “o que falta?”.

Os koans nos colocam num beco sem saída. Ficamos pressionados por dúvidas, conflitos dualistas, certo e errado, bem e mal. Nossas mentes logo começam a tecer considerações sobre as histórias dos koans. Pensamos: “como pode ser um Mestre?”, “como um Mestre comporta-se desta forma?”. Criamos expectativas, condições que devem ser preenchidas pelos outros e por nós mesmos, definimos “o caminho espiritual é isso ou aquilo”, “um santo é assim ou assado”, “um mestre deve comportar-se desta ou daquela forma”. Tudo o que não se encaixa em nossa forma limitada e condicionada de perceber a vida é rotulado como errado. Os koans servem para quebrar todos estes conceitos, com estes processos.

Em muitas histórias a Iluminação é alcançada em eventos absolutamente singelos como observar uma folha seca ou um travesseiro cair, observar um cachorro bebendo água, contemplar uma paisagem.

Entretanto, sempre queremos fugir da monotonia do presente, do cotidiano, de nossas misérias. Quando um koan nos é apresentado buscamos significados escondidos, ocultos, fantásticos. Porém, os koans apontam para simplicidade da vida, para realidade que está diante de nossos olhos, mas que não percebemos. Não existe nada velado, oculto, escondido. Os véus estão em nossas mentes.

Koans

21. Presente de Insultos

Certa vez existiu um grande guerreiro. Ainda que muito velho, ele ainda era capaz de derrotar qualquer desafiante. Sua reputação estendeu-se longe e amplamente através do país e muitos estudantes reuniam-se para estudar sob sua orientação.

Um dia um infame jovem guerreiro chegou à vila. Ele estava determinado a ser o primeiro homem a derrotar o grande mestre. Junto à sua força, ele possuía uma habilidade fantástica em perceber e explorar qualquer fraqueza em seu oponente, ofendendo-o até que a este perdesse a concentração. Ele esperaria então que seu oponente fizesse o primeiro movimento, e assim revelando sua fraqueza, e então atacaria com uma força impiedosa e velocidade de um raio. Ninguém jamais havia resistido em um duelo contra ele além do primeiro movimento.

Contra todas as advertências de seus preocupados estudantes, o velho mestre alegremente aceitou o desafio do jovem guerreiro. Quando os dois se posicionaram para a luta, o jovem guerreiro começou a lançar insultos ao velho mestre. Ele jogava terra e cuspia em sua face.

Por horas ele verbalmente ofendeu o mestre com todo o tipo de insulto e maldição
conhecidos pela humanidade. Mas o velho guerreiro meramente ficou parado ali,
calmamente. Finalmente, o jovem guerreiro finalmente ficou exausto. Percebendo que tinha sido derrotado, ele fugiu vergonhosamente.

Um tanto desapontados por não terem visto seu mestre lutar contra o insolente, os
estudantes aproximaram-se e lhe perguntaram: “Como o senhor pôde suportar tantos
insultos e indignidades? Como conseguiu derrotá-lo sem ao menos se mover?”
“Se alguém vem para lhe dar um presente e você não o aceita,” o mestre replicou, “para quem retorna este presente?”

22. Caçando dois coelhos

Um estudante de artes marciais aproximou-se de seu mestre com uma questão:
“Gostaria de aumentar meu conhecimento das artes marciais. Em adição ao que aprendi com o senhor, eu gostaria de estudar com outro professor para poder aprender outro estilo. O que pensa de minha idéia?”

“O caçador que espreita dois coelhos ao mesmo tempo,” respondeu o mestre, “corre o risco de não pegar nenhum.”

23. O Mais Importante Ensinamento

Um renomado mestre Zen dizia que seu maior ensinamento era este: Buddha é a sua mente. De tão impressionado com a profundidade implicada neste axioma, um monge decidiu deixar o Monastério e retirar-se em um local afastado para meditar nesta peça de sabedoria. Ele viveu 20 anos como um eremita refletindo no grande ensinamento.

Um dia ele encontrou outro monge que viajava na através da floresta próxima à sua ermida. Logo o monge eremita soube que o viajante também tinha estuda sob o mesmo mestre Zen. “Por favor, diga-me se você conhece o grande ensinamento do mestre,” perguntou ansioso ao outro.

Os olhos do monge viajante brilharam, “Ah! O mestre foi muito claro sobre isto. Ele disse que seu maior ensinamento era: Buddha NÃO é a sua mente.”

24. Aprendendo do modo mais duro

O filho de um mestre em roubos pediu a seu pai para ensinar-lhe os segredos de seu ofício. O velho ladrão concordou e naquela noite levou seu filho para assaltar uma grande mansão.

Enquanto a família dormia, ele silenciosamente levou seu aprendiz para dentro de um quarto que continha um armário de ricas roupas. O pai disse ao filho para entrar no armário e pegar algumas roupas.

Quando o rapaz fez isso, seu pai rapidamente fechou a porta e o prendeu lá dentro. Então ele saiu, e bateu sonoramente na porta da frente, acordando consequentemente a família que dormia, e rapidamente fugiu antes que qualquer pessoa o visse.
Horas mais tarde, seu filho retornou à casa, em trapos e exausto.
“Pai!” ele gritou em fúria, “Porque o senhor me prendeu no armário? Se eu não tivesse usado desesperadamente meus recursos com medo de ser descoberto, eu jamais teria escapado.

Tive que abandonar toda a minha timidez para sair de lá!”
O velho ladrão sorriu: “Filho, você acabou de ter sua primeira lição na arte da rapinagem…”

25. Gutei e o Dedo

O Mestre Gutei, sempre que lhe faziam uma pergunta, respondia levantando um dedo sem dizer nada. Um noviço adquiriu o vício de imitá-lo. Certo dia, um visitante perguntou ao noviço:

“Que sermão o Mestre está pronunciando agora?”

O noviço respondeu levantando o dedo. O visitante, quando se encontrou com o Mestre,
contou-lhe que o noviço o imitara. Mais tarde, o Mestre escondeu uma faca nas vestes e
chamou o noviço. Quando este se apresentou, Gutei perguntou-lhe:

“O que é Buddha?”

O rapaz, ansioso para impressionar o mestre, respondeu levantando o dedo. O Mestre então agarrou-lhe a mão e cortou-lhe o dedo com a faca. O discípulo, apavorado e em choque, já ia sair correndo, mas o Mestre o chamou com um grito:

“NOVIÇO!”

Quando o rapaz se voltou para o Mestre, este perguntou abruptamente:

“O que é Buddha?”

O discípulo ia levantar o dedo, mas não tinha mais dedo. Neste instante, ele alcançou o Satori.

26. Seguindo a corrente

Um velho homem bêbado acidentalmente caiu nas terríveis corredeiras de um rio que
levavam para uma alta e perigosa cascata. Ninguém jamais tinha sobrevivido àquele rio.
Algumas pessoas que viram o acidente temeram pela sua vida, tentando desesperadamente chamar a atenção do homem que, bêbado, estava quase desmaiado. Mas, miraculosamente, ele conseguiu sair salvo quando a própria correnteza o despejou na margem em uma curva que fazia o rio.

Ao testemunhar o evento, Kung-tzu (Confúcio) comentou para todas as pessoas que diziam não entender como o homem tinha conseguido sair de tão grande dificuldade sem luta:

“Ele se acomodou à água, não tentou lutar com ela. Sem pensar, sem racionalizar, ele permitiu que a água o envolvesse. Mergulhando na correnteza, conseguiu sair da correnteza. Assim foi como conseguiu sobreviver.”

27. O Sonho

Certa vez o mestre taoísta Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta, voando alegremente aqui e ali. No sonho ele não tinha mais a mínima consciência de sua individualidade como pessoa. Ele era realmente uma borboleta. Repentinamente, ele acordou e descobriu-se deitado ali, um pessoa novamente.
Mas então ele pensou para si mesmo:

“Fui antes um homem que sonhava ser uma borboleta, ou sou agora uma borboleta que
sonha em ser um homem?”

28. Egoísmo

O Primeiro Ministro da Dinastia Tang era um herói nacional pelo seu sucesso tanto como
homem de estado quanto como líder militar. Mas a despeito de sua fama, poder e riqueza, ele se considerava um humilde e devoto Buddhista. Freqüentemente ele visitava seu mestre Zen favorito para estudar com ele, e eles pareciam se dar muito bem.

O fato de que ele era  primeiro ministro aparentemente não tinha efeito em sua relação, que parecia ser simplesmente a de um reverendo mestre e seu respeitoso estudante.
Um dia, durante sua visita usual, o Primeiro Ministro perguntou ao mestre, “Mestre, o que é o egoísmo de acordo com o Buddhismo?”

O rosto do mestre ficou vermelho, e num tom de voz extremamente desdenhoso e insultuoso ele gritou em resposta:
“Que tipo de pergunta estúpida é esta?!?”

Tal resposta tão inesperada chocou tanto o Primeiro Ministro que este tornou-se
imediatamente arrogante e com raiva:

“Como ousa me tratar assim?”
Neste momento o mestre Zen sorriu e disse:
“ISTO, Sua Excelência, é egoísmo…”

29. Conhecendo os Peixes

Certa vez Chuang Tzu e um amigo caminhavam à margem de um rio.

“Veja os peixes nadando na corrente,” disse Chuang Tzu, “Eles estão realmente felizes…”
“Você não é um peixe,” replicou arrogantemente seu amigo, “Então você não pode saber se eles estão felizes.”

“Você não é Chuang Tzu,” disse Chuang Tzu, “Então como você sabe que eu não sei que os
peixes estão felizes?”

30. Plena Atenção

Após dez anos de aprendizagem, Tenno atingiu o título de mestre Zen. Num dia chuvoso, ele foi visitar o famoso mestre Nan-In. Quando ele entrou no mosteiro, o mestre recebeu-o com uma questão, “Você deixou seus tamancos e seu guarda-chuva no alpendre?”

“Sim”, Tenno replicou.

“Diga-me então,” o mestre continuou, “você colocou seu guarda-chuva à esquerda de seu
calçado, ou à direita?”

Tenno não soube como responder ao koan, percebendo afinal que ele ainda não tinha
alcançado a plena atenção. Então ele tornou-se aprendiz de Nan-In e estudou sob sua
orientação por mais dez anos.

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