Introdução
Koans são frases enigmáticas de difícil compreensão que são dadas aos discípulos, aos aspirantes. São muito utilizados no Zen, principalmente na escola Rinzai. Eles visam romper com os padrões de pensamento, com a dualidade de conceitos, com condicionamentos mentais.
Os koans sempre possuem respostas, ainda que estas respostas não sejam lógicas ou intelectuais.
As respostas dos koans são espontâneas, intuitivas e muitas vezes parecem tão absurdas quanto o próprio koan. Mas, em realidade, são cheias de profundo significado, tanto quanto o koan, ou até mais.
Muitos koans estão intrinsecamente relacionados com a Doutrina Budista ou com a história de uma tradição específica. Para quem não possui estes conhecimentos estes koans perdem muito de seus significados.
Um koan muito utilizado e que parece até ser apenas uma simples pergunta é “o que falta?”.
Os koans nos colocam num beco sem saída. Ficamos pressionados por dúvidas, conflitos dualistas, certo e errado, bem e mal. Nossas mentes logo começam a tecer considerações sobre as histórias dos koans. Pensamos: “como pode ser um Mestre?”, “como um Mestre comporta-se desta forma?”. Criamos expectativas, condições que devem ser preenchidas pelos outros e por nós mesmos, definimos “o caminho espiritual é isso ou aquilo”, “um santo é assim ou assado”, “um mestre deve comportar-se desta ou daquela forma”. Tudo o que não se encaixa em nossa forma limitada e condicionada de perceber a vida é rotulado como errado. Os koans servem para quebrar todos estes conceitos, com estes processos.
Em muitas histórias a Iluminação é alcançada em eventos absolutamente singelos como observar uma folha seca ou um travesseiro cair, observar um cachorro bebendo água, contemplar uma paisagem.
Entretanto, sempre queremos fugir da monotonia do presente, do cotidiano, de nossas misérias. Quando um koan nos é apresentado buscamos significados escondidos, ocultos, fantásticos. Porém, os koans apontam para simplicidade da vida, para realidade que está diante de nossos olhos, mas que não percebemos. Não existe nada velado, oculto, escondido. Os véus estão em nossas mentes.
Koans
1. Uma xícara de Chá
Nan-In, um mestre japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um professor de universidade que veio lhe inquirir sobre Zen. Este iniciou um longo discurso intelectual obre suas dúvidas.
Nan-In, enquanto isso, serviu o chá. Ele encheu completamente a xícara de seu visitante, e continuou a enchê-la, derramando chá pela borda. O professor, vendo o excesso se derramando, não pode mais se conter e disse:
“Está muito cheio. Não cabe mais chá!”
“Como esta xícara,” Nan-in disse, “você está cheio de suas próprias opiniões e especulações.
Como posso eu lhe demonstrar o Zen sem você primeiro esvaziar sua xícara?”
2. Uma Parábola
Certa vez, disse o Buddha uma parábola:
Um homem viajando em um campo encontrou um tigre. Ele correu, o tigre em seu encalço. Aproximando-se de um precipício, tomou as raízes expostas de uma vinha selvagem em suas mãos e pendurou-se precipitadamente abaixo, na beira do abismo. O tigre o farejava acima.
Tremendo, o homem olhou para baixo e viu, no fundo do precipício, outro tigre a esperá-lo. Apenas a vinha o sustinha. Mas ao olhar para a planta, viu dois ratos, um negro e outro branco, roendo aos poucos sua raiz. Neste momento seus olhos perceberam um belo morango vicejando perto. Segurando a vinha com uma mão, ele pegou o morango com a outra e o comeu.
“Que delícia!”, ele disse.
3. Nas Mãos do Destino
Um grande guerreiro japonês chamado Nobunaga decidiu atacar o inimigo embora ele tivesse apenas um décimo do número de homens que seu oponente. Ele sabia que poderia ganhar mesmo assim, mas seus soldados tinham dúvidas. No caminho para a batalha ele parou em um templo Shintó e disse aos seus homens:
“Após eu visitar o relicário eu jogarei uma moeda. Se a Cara sair, iremos vencer; se sair a Coroa, iremos com certeza perder. O Destino nos tem em suas mãos.”
Nobunaga entrou no templo e ofereceu uma prece silenciosa. Então saiu e jogou a moeda. A Cara apareceu. Seus soldados ficaram tão entusiasmados a lutar que eles ganharam a batalha facilmente.
Após a batalha, seu segundo em comando disse-lhe orgulhoso:
“Ninguém pode mudar a mão do Destino!”
“Realmente não…” disse Nobunaga mostrando-lhe reservadamente sua moeda, que tinha sido duplicada, possuindo a Cara impressa nos dois lados.
4. Garotas
Tanzan e Ekido certa vez viajavam juntos por uma estrada lamacenta. Uma pesada chuva ainda caía, dificultando a caminhada. Chegando a uma curva, eles encontraram uma bela garota vestida com um quimono de seda e cinta, incapaz de cruzar a intercessão.
“Venha, menina,” disse Tanzan de imediato. Erguendo-a em seus braços, ele a carregou
atravessando o lamaçal.
Ekido não falou nada até aquela noite quando eles atingiram o alojamento do Templo. Então ele não mais se conteve e disse:
“Nós monges não nos aproximamos de mulheres,” ele disse a Tanzan, “especialmente as jovens e belas. Isto é perigoso. Por que fez aquilo?”
“Eu deixei a garota lá,” disse Tanzan. “Você ainda a está carregando?”
5. Sem trabalho, Sem comida
HYAKUJO, o mestre Zen chinês, costumava trabalhar com seus discípulos mesmo na idade de 80 anos, aparando o jardim, limpando o chão, e podando as árvores. Os discípulos sentiram pena em ver o velho mestre trabalhando tão duramente, mas eles sabiam que ele não iria escutar seus apelos para que parasse. Então eles resolveram esconder suas ferramentas.
Naquele dia o mestre não comeu. No dia seguinte também, e no outro.
“Ele deve estar irritado por termos escondido suas ferramentas,” os discípulos acharam. “É melhor nós as colocarmos de volta no lugar.”
No dia em que eles fizeram isso, o mestre trabalhou e comeu exatamente como antes. À noite ele os instruiu, simplesmente:
“Sem trabalho, sem comida.”
6. Nada Existe
YAMAOKA TESSHU, quando um jovem estudante Zen, visitou um mestre após outro. Ele então foi até Dokuon de Shokoku. Desejando mostrar o quanto já sabia, ele disse, vaidoso:
“A mente, Buddha, e os seres sencientes, além de tudo, não existem. A verdadeira natureza dos fenômenos é vazia. Não há realização, nenhuma delusão, nenhum sábio, nenhuma mediocridade.
Não há o Dar e tampouco nada a receber!”
Dokuon, que estava fumando pacientemente, nada disse. Subitamente ele acertou Yamaoka na cabeça com seu longo cachimbo de bambu. Isto fez o jovem ficar muito irritado, gritando xingamentos.
“Se nada existe,” perguntou, calmo, Dokuon, “de onde veio toda esta sua raiva?”
7. A Subjugação de um fantasma – Um Exorcismo Zen…
Uma jovem e bela esposa caiu doente e finalmente chegou às portas da morte. “Eu te amo tanto,” ela disse ao seu marido, “Eu não quero deixar-te. Prometas que não me trocarás por nenhuma outra mulher! Se tu não o fizeres, eu retornarei como um fantasma e te
causarei aborrecimentos sem fim!”
Logo após, a esposa morreu. O marido procurou respeitar seu último desejo pelos primeiros três meses, mas então ele encontrou outra mulher e se apaixonou. Eles tornaram-se noivos e logo se casariam.
Imediatamente após o noivado um fantasma aparecia todas as noites ao homem, acusando-o por não ter mantido sua promessa. O fantasma era esperto, também. Ela lhe dizia tudo o que acontecia e era falado entre ele e sua noiva, mesmo as mais íntimas experiências.
Sempre que dava à sua noiva um presente, o fantasma o descrevia em detalhes. Ela até mesmo repetia suas conversas, e isso aborrecia tanto o homem que ele não era capaz de dormir. Alguém o aconselhou a expor seu problema a um mestre Zen que vivia próximo à vila. Enfim, em desespero, o pobre homem foi buscar sua ajuda.
“Então sua ex-esposa tornou-se um fantasma e sabe tudo o que você faz,” comentou o mestre, meio divertido. “O que quer que você faça ou diga, o que quer que você dê à sua amada, ela sabe.
Ela deve ser um fantasma muito sábio… Realmente você deveria admirar tal fantasma! A próxima vez que ela aparecer, barganhe com ela. Diga a ela exatamente o que direi a você…” Naquela noite o homem encontrou o fantasma e disse o que o mestre havia instruído:
“Você sabe tanto de mim que eu nada posso esconder-lhe! Se você me responder apenas uma questão, eu lhe prometo desfazer meu noivado e permanecer solteiro.”
“Na verdade, eu sei que você foi ver um mestre Zen hoje! Diga-me sua questão.” Disse o
fantasma.
O homem levantou sua mão direita fechada e perguntou:
“Já que sabes tanto, diga-me apenas quantos feijões eu tenho nesta mão…” Neste exato momento não havia mais nenhum fantasma para responder a questão.
8. Verdadeira Riqueza
Um homem muito rico pediu a Sengai para escrever algo pela continuidade da prosperidade de sua família, de modo que esta pudesse manter sua fortuna de geração a geração.
Sengai pegou uma longa folha de papel de arroz e escreveu: “Pai morre, filho morre, neto morre.” O homem rico ficou indignado e ofendido. “Eu lhe pedi para escrever algo pela felicidade de minha família! Porque fizeste uma brincadeira destas?!?”
“Não pretendi fazer brincadeiras,” explicou Sengai tranquilamente. “Se antes de sua morte seu filho morrer, isto iria magoá-lo imensamente. Se seu neto se fosse antes de seu filho, tanto você quanto ele ficariam arrasados. Mas se sua família, de geração a geração, morrer na ordem que eu escrevi, isso seria o mais natural curso da Vida. Eu chamo a isso Verdadeira Riqueza.”
9. Homem Santo
Boatos espalharam-se por toda a região acerca do sábio Homem Santo que vivia em uma pequena casa sobre a montanha. Um homem da vila decidiu fazer a longa e difícil jornada para visitá-lo.
Quando chegou na casa, ele viu um simples velho dentro que o recebeu, abrindo a porta. “Eu gostaria de ver o sábio Homem Santo,” disse ele ao outro. O velho sorriu e permitiu-o entrar. Enquanto eles caminhavam ao longo da casa, o homem da vila olhava ansiosamente em torno, antecipando seu encontro com um homem considerado um verdadeiro Santo.
Mas antes que pudesse dar pela coisa, ele já havia percorrido a extensão da casa e levado para fora. Ele parou e voltou-se para o velho:
“Mas eu quero ver o Homem Santo!”
“Já o fizeste,” disse o velho. “Todos que tu encontras em tua vida, mesmo se eles pareçam simples e insignificantes… veja cada um deles como um sábio Homem Santo. Se fizeres deste modo, então quaisquer que sejam os problemas que trouxestes aqui hoje, serão resolvidos…”
E fechou a porta.
10. Os Portais do Paraíso
Um orgulhoso guerreiro chamado Nobushige foi até Hakuin, e perguntou-lhe: “Se existe um paraíso e um inferno, onde estão?”
“Quem é você?” perguntou Hakuin.
“Eu sou um samurai!” o guerreiro exclamou.
“Você, um guerreiro!” riu-se Hakuin. “Que espécie de governante teria tal guarda? Sua aparência é a de um mendigo!”.
Nobushige ficou tão raivoso que começou a desembainhar sua espada, mas Hakuin continuou:
‘Então você tem uma espada! Sua arma provavelmente está tão cega que não cortará minha cabeça…”
O samurai retirou a espada num gesto rápido e avançou pronto para matar, gritando de -ódio. Neste momento Hakuin gritou:
“Acabaram de se abrir os Portais do Inferno!”
Ao ouvir estas palavras, e percebendo a sabedoria do mestre, o samurai embainhou sua espada e fez-lhe uma profunda reverência.
“Acabaram de se abrir os Portais do Paraíso,” disse suavemente Hakuin.